As
letras dançavam, por isso não conseguia ler. Dançavam ao som dos passos, falas
e barulhos do próprio ambiente. Meus pais achavam que era preguiça da minha
parte, achavam que eu não queria ler; ou até mesmo que eu era burra o
suficiente pra ser a única que não conseguia ler na minha sala de aula. Bem, a
professora já me ensinou várias vezes, mas não me ensinou a dançar no ritmo
daquelas letrinhas tão animadas. Não conseguia prestar atenção na aula, sei lá,
eu não controlava a minha cabeça, ela vivia em tantos lugares. E confesso que
eram melhores que todas aquelas explicações robotizadas aplicadas pelo sistema.
Minha escrita espelhada. Espelho espelho meu, decifre o que ela escreveu. O b
trocado pelo d: babo, dado. Fica complicado. Olha lá aquela mosca voando....
Ops, de que eu tava falando? Ah, queria conseguir jogar vôlei junto com as
outras meninas da minha classe, mas não consigo calcular a distancia, o tempo e
a velocidade em que a bola é arremessada, é demais pra mim. É, eu devo ter
algum problema mesmo. Porque será que não consigo fazer essas coisas simples e
rotineiras que todas as outras pessoas fazem com facilidade? Eu já não
acreditava em mais nada, só queria fugir de mim mesma, dos olhares de raiva, de
dó e de desânimo que via nas pessoas ao meu redor. Será que eu ainda tinha
conserto? Sim, disse o professor substituto que acabara de entrar em minha sala
de aula, com um violão, tocando e cantando uma música que falava sobre a
conjugação do verbo ser. FUI julgada, mas SOU lutadora e VOU vencer. Era aquele
o ritmo, eram aquelas batidas que eu precisava pra dançar junto às letrinhas.
Falhei em alguns momentos, mas o professor substituto segurou minha mão e me
levou de volta ao ritmo, suave e lento, porém eficaz. Ensinou-me as
coreografias e dançou comigo. Mostrou-me todos os tons, timbres, altos e baixos
que eu deveria acompanhar naquela melodia. Aos poucos fui abandonando meus dois
pés esquerdos. Deixei de lado todas as incertezas e acreditei em mim mesma. Dançando
no ritmo da minha própria música, diferente, porém especial.
Não
sou burra, não sou lerda, não sou mal educada, não sou uma aberração, não sou
desligada, não sou desleixada, não sou desinteressada, não sou desencanada, não
sou igual. Sou disléxica, sou diferente, mas sou normal.
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